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Município luta para retomar referência em saúde mental

Atual gestão trabalha para recuperar o patamar de atendimento que levou a cidade a ser reconhecida em 2001 com o prêmio David Capistrano, do Ministério da Saúde

Por Roberto Ribeiro 16-05-2025 | 16:41:20

Premiada nacionalmente em 2001 pelo Ministério da Saúde, durante a primeira gestão do prefeito Fernando Marroni, por experiências bem-sucedidas na área da saúde mental, Pelotas retoma na atual gestão o desafio de recuperar o papel de destaque no setor. À frente desse processo, a coordenadora da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Luciane Kantorski, acredita no potencial do município por uma sociedade sem manicômios, cuja luta é celebrada a cada 18 de maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial.

Movimento no Largo do Mercado na tarde de sexta-feira (16), quando a Secretaria de Saúde realizou a segunda edição do Caps na Rua para marcar o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, celebrado a cada 18 de maio (Foto: Volmer Perez/Secom)

Neste ano, a Prefeitura organizou duas agendas para marcar a data, ambas quinta-feira (15): a segunda edição, das oito previstas, do Caps na Rua, dessa vez no Largo do Mercado Central; e a exposição Pincelando Emoções, mostra de pinturas do usuários dos Caps (Centros de Atendimento Psicossocial) na sala Adail Bento Costa, no Casarão Dois da praça Coronel Pedro Osório - sede da Secretaria de Cultura (Secult). 

“Já fomos, no meu primeiro governo, reconhecidos pelo trabalho inovador que desenvolvemos, quando, pela primeira vez, o município instituiu políticas públicas que devolveram autoestima aos usuários do serviço de saúde mental”, lembra o prefeito Fernando Marroni. Ele compartilha da crença de Luciane Kantorski na capacidade dos serviços oferecidos pela SMS para qualificar o atendimento psíquico à parcela da população que precisa desse suporte junto ao SUS.  

“Temos profissionais qualificados, uma rede robusta, com oito Caps, seis deles abertos no nosso primeiro governo, acesso ao conhecimento, formação e, principalmente, compromisso de governo com a reforma psiquiátrica”, disse o chefe do Executivo. 

O prêmio David Capistrano do Ministério da Saúde em 2001 não foi o único reconhecimento no processo de reversão do modelo tradicional do atendimento psiquiátrico hospitalar. No ano seguinte, em 2002, a Prefeitura firmou convênio com a Universidade de Turim (Itália) para capacitação de recursos humanos e produção de pesquisa na área da saúde mental.

 Algumas das obras da mostra Pincelando Emoções, de autoria de usuários dos oito Caps do município, em exposição na sala Adail Bento Costa, na sede da Secretaria de Cultura (Secult), na Casa Dois da praça Coronel Pedro Osório (Janine Tomberg/Secom)

A atual coordenadora do Raps foi testemunha daquele movimento que teve início na primeira gestão do atual prefeito (2001-2004) - experiência que reforça a crença na qualificação do trabalho. 

Atualmente a rede de saúde mental da Prefeitura dispõe para além dos oito Caps (um Álcool e Drogas, um Infantil e seis Caps II), de dois serviços residenciais terapêuticos, o programa de geração de renda Retrate e um ambulatório. Dentro dessa estrutura, três (Caps AD e serviços residenciais terapêuticos) funcionam 24 horas.

No horizonte, para consolidação da rede, linhas de financiamento abertas no Ministério da Saúde para contar com um Caps III, voltado a pacientes com transtornos severos e persistentes, com funcionamento 24 horas e até 14 dias de internação, e negociações para abertura de mais leitos psiquiátricos em hospitais gerais. “é muito diferente ter um surto e ser encaminhado a um Caps ou para internação de 15 dias em um hospital geral, do que ficar de 30 a 90 dias em um hospital psiquiátrico. Faz diferença na trajetória de vida das pessoas”, alerta Luciane Kantorski.

Alinhada à luta antimanicomial, a atual gestão também aposta na atenção básica. Está na pauta a integração do serviço junto às 51 UBSs da rede, com implementação das ações de matriciamento, que preveem equipes especializadas para atender casos de luto, depressão leve ou ansiedade. 

Direito assegurado

A Lei 3.657/1989, que garante a Reforma Psiquiátrica, ou a Lei Antimanicomial, dispõe sobre a proteção e os direitos dos portadores de transtornos mentais. A legislação prevê o desaparecimento gradual dos hospitais psiquiátricos de grande porte, com pacientes permanentes. Em troca, a Lei estabelece outros formatos de tratamento, com hospitais-dia, ambulatórios, oficinas e serviços residenciais provisórios a fim de garantir humanização e respeito ao paciente. 

Resgate histórico

A institucionalização da loucura remonta ao século 19 no Brasil, quando surgiram as primeiras instituições destinadas a tratar “alienados mentais”. O Rio Grande do Sul (então Província de São Pedro) acompanhou esse processo. Em 1884, em Porto Alegre, foi inaugurado o Hospício São Pedro, um dos primeiros do país, atendendo à necessidade de separar os “doentes mentais”, que até aquele momento eram encaminhados à Santa Casa. Segundo estudiosos do tema, já uma década depois, as fragilidades estruturais colocavam em cheque o modelo dessa instituição que comportava a psiquiatria nascente. Em 1889, com a proclamação da República, o hospício deixou de ser gerido pela Santa Casa e passou a ser administrado por médicos, com o custeio do então governo provincial. 

Com o avanço da psiquiatria, novos recursos passaram a ser utilizados, como fortes medicações, vigilância ininterrupta, choques elétricos e camisas de força. Própria de sociedades de confinamento, a superlotação impedia o acompanhamento individualizado dos casos, transformando a instituição gradualmente em depósito de seres humanos.

Apesar de Lei Anti-Manicomial de 1989, apenas em 2001 foi assegurado o fim dos manicômios no Brasil, por meio de outra lei (10.216). Em março de 1991, a sociedade gaúcha firmou a criação do Fórum Gaúcho de Saúde Mental. 

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Dignidade, Autoestima

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